domingo, 10 de maio de 2009

A Revelação

- Tenho uma coisa para te dizer – disse ele.
- Sim?... – perguntei ansiosa com o sumo de maracujá esquecido na mão.
- Eu sei que te sentes atraída por mim… que sempre sentiste… já mesmo em Angola.
- Então, tu sabias? – intuitivamente separei ligeiramente as pernas sob a toalha e afundei-me na cadeira na sua direcção.
- Sim, claro que sabia! Via bem como me olhavas. Como odiavas a Noémia, a minha criada. Sabias que eu e ela… enfim… Via bem como te posicionavas ao meu colo sobre os meus joelhos. Assustavas-me.
- E porquê? – arrefeci um pouco e juntei as pernas.
- Porque tudo isso não é normal numa criança de oito anos Janette. Não é normal! Para mim, tu eras um pequeno demónio de saias e lacinhos nas tranças.
Aí sim, juntei as pernas com força e segurei o nó da toalha que antes considerava deixar soltar. Estava ofendida. Alex continuou:
- Mas apesar de tudo gostava de ti. Como ainda gosto.
Retomei o entusiasmo e aproximei-me dele com a boca semi-aberta.
- Com ternura – finalizou ele afastando a cara e fazendo-me uma carícia no cabelo.
Eu já não entendia nada. Aquele homem era louco, era diferente de todos os outros! Permaneci apenas calada, olhando-o. Mas a interrogação estava estampada no meu rosto. E ele continuou:
- Não achas que somos um pouco parecidos Janette?
- Como parecidos?
- Os olhos, o cabelo, o nariz, o tom de pele. Não achas?
- Coincidência, por certo.
- Ou talvez não. – disse ele sorrindo – Porque sabes, Janette, eu conheci a tua mãe.
- Sim, eu sei. Frequentavas a casa!
- Melhor do que isso.
Gelei. Recusei-me a entender o que ele me estava a tentar dizer. Apetecia-me fugir dali, mas estava nua sob uma toalha minúscula. Pensei no meu pai. Na minha mãe tão devota, tão austera, na moralidade rígida que aprendi em criança. Pensei nas vezes em que acreditei que os meus pais nem tinham sexo e eu devia ter nascido de geração espontânea. Já quase a chorar, perguntei-lhe:
- Tu… e a minha mãe?! Quer dizer que… o meu pai não é meu pai? Quer dizer que… tu és o meu pai?!
- Não obrigatoriamente Janette. Não obrigatoriamente.
- Como assim? – agora sim, eu estava confusa.
- Eu sei que mãe é mãe Janette. Mas acho que já és crescida o suficiente para saber. A tua mãe não era o que parecia. Traiu o teu pai com praticamente toda a gente na cidade.
- Cala-te!
Mas Alex continuou, imperturbável.
- Ao domingo, antes da missa, era o padre, aquele velhinho. Lembras-te? Às vezes também o sacristão, aquele miúdo de quinze anos. Os dois em simultâneo para não perder tempo. E porque ele gostava de sentir “ocupada”, como dizia às vezes rindo. Os criados da casa também não escaparam. Nem as criadas. Os amigos do teu pai, onde eu me incluía, conheciam-na todos muito bem. Bastava aparecer quando o teu pai estava fora. Levar uma flor, qualquer coisa.
- Não acredito!
- Sim. Entre as tropas, ela era conhecida por fazer os melhores bicos. Era a única coisa que ela fazia com os soldados, não sei porquê. Ela dizia que gostava de ver a cara de parvos que faziam, como se o inimigo os tivesse apanhado de surpresa.
A essa hora eu já não tinha sequer palavras para o rebater.
- A tua mãe, Janette, era uma devoradora.
- De homens?!
- De tudo o que mexesse. Lembras-te do cãozinho branco que a seguia por todo o lado? Estava treinado para a lamber onde e quando ela queria. Eu tive o privilégio de, além de sexo, ter tido com ela uma relação de amizade. Eu era o único a quem ela confidenciava tudo. Costumava dizer, a brincar, que não podia abusar dos criados, porque um dia quando voltasse para Portugal ia estranhar a falta de instrumentos com mais de 18cm. Tinha um sentido de humor desbragado, a tua mãe. Eu habituei-me.
Nessa altura eu jazia sentada na cadeira de cabeça baixa, sem saber o que pensar. A minha vida toda passava como num filme sem sentido na minha cabeça. Alex pegou-me no queixo e levantou-me para que eu o olhasse nos olhos.
- Janette, ouve. Agora que sabes, acho que não deves condenar a tua mãe. O furor por sexo desenfreado está nos vossos genes. Tu e ela, são iguais.
Depois de ter dito isto, Alex afastou-se para que eu acabasse de me vestir à vontade. Eu fiquei ali, durante um bocado, atordoada. Depois recompus-me. Ainda de toalha fui à sala onde ele me esperava sentado. Senti um arrepio e verifiquei que, estranhamente, ainda o queria como antes.

3 comentários:

  1. Olha, não é por nada, até me perdoe, mas eu estou chorando... de rir! :))) Só podia ter uma mãe assim, mesmo!! E totalmente sem peso na consciência. Como Janette... :)

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  2. Quem sai aos seus não degenera. Sempre pensei que esta Janette era do piorio. Aposto que ela ainda vai descobrir os diários da mãe nalgum daqueles baús que se perderam no cais de Alcãntara quando retornaram de Angola.

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  3. Tás feita, Janette...os génes não te largam...estão coladinhos a ti, forever...and ever...and ever

    (Apre!!!!...que isto aqui ferve!!)

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